Parque Municipal oferece turismo de observação de aves raras
São como 84 campos de futebol de mata nativa em um refúgio natural no meio da cidade, a poucos minutos do Centro. Desde 1978, o Parque Municipal de Maceió guarda, no bairro do Bebedouro, um pequeno, mas precioso fragmento de Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados do mundo – restam no País apenas 7% da floresta original.
Além de servir como espaço de lazer para quem quer fugir do movimento urbano, a unidade de conservação também protege várias nascentes de água, ajuda a regular a temperatura local, sedia pesquisas acadêmicas e serve de lar para uma diversidade de animais. Entre os moradores mais populares, estão as preguiças, os temidos jacarés de papo-amarelo, tamanduás, cágados e as pré-históricas iguanas.
Um dos destaques da biodiversidade do parque são as 120 espécies de aves, incluindo algumas raridades, como o belíssimo udu-de-coroa-azul-do-nordeste (Momotus momota marcgraviana) , que só ocorre em Alagoas e Pernambuco, e o endêmico gavião-de-pescoço-branco, um dos mais raros do mundo, que está na lista de espécies criticamente ameaçadas da Birdlife International. A população atual da ave é estimada em apenas 50 exemplares.
Observadores de aves à espreita de alguma espécie no Parque Municipal de Maceió. Ao todo 120 espécies diferentes estão protegidas na Unidade de Conservação (Foto: Marçal André / Reprodução)
Potencial para o Birdwatching
Essa preciosa fauna tem atraído visitantes bastante peculiares: os chamados birdwatchers (ou observadores de aves, em tradução livre). Apesar de muito popular nos Estados Unidos e Europa, a atividade, que envolve lazer, pesquisa científica, conservação e educação ambiental, só recentemente tem obtido status no Brasil. Contraditoriamente, graças à Cordilheira dos Andes, a América do Sul é o continente mais rico em aves do planeta.
Gavião-do-pescoço-branco, um dos mais raros do mundo está protegido no Parque Municipal de Maceió. Esta espécie é endêmica do Nordeste, ocorrendo apenas nas áreas reduzidas de Mata Atlântica de Alagoas e Pernambuco (Foto: Sérgio Leal / Reprodução)
Na última década, os brasileiros interessados na atividade têm começado a se organizar em comunidades virtuais, como o wikiaves, que reúne dados sobre as espécies, habitats, sons dos cantos e fotos das aves do Brasil para que os observadores possam pesquisar informações e compartilhar seus próprios acervos de fotografias. Existe até uma espécie de ranking, em que os participantes competem pelo registro do maior número de aves no País.
O biólogo especializado em ornitologia Fernando Straube explica que o avistamento de aves não é apenas uma atividade científica, mas um hobby bastante abrangente. Os adeptos, porém, costumam investir em livros, viagens e tecnologia e não medem esforços para se embrenhar mata adentro. Como atrativo para as aves, usam aparelhos sonoros, que podem ser gravadores ou iPhones com aplicativos de “playbacks” de cantos da espécie que pretendem avistar. No Brasil, entretanto, graças à diversidade da fauna, não é preciso muito esforço para localizar os bichos. “Em qualquer cidade do País, com um olhar atento, você consegue admirar diversas aves, pois temos condições particulares que favorecem muito a atividade”, diz Fernando Straube.
O especialista ressalta que a observação de aves é uma modalidade de turismo limpa, sustentável e que motiva a proteção das áreas verdes , pois a única regra é flagrar as aves em seu habitat natural e não em cativeiro. “O Parque Municipal de Maceió exibe uma grande concentração de espécies em uma área de mata nativa a poucos minutos dos principais pontos turísticos da cidade. Ou seja, o visitante que está na capital pode chegar a um ponto muito interessante de observação com facilidade, ao contrário do que acontece em destinos mais remotos do País, que demandam uma grande logística para a atividade”, explica o fotógrafo Sérgio Leal, um dos praticantes do birdwatching em Maceió.
O fiscal Cari que conhece a rota, os hábitos e os cantos das aves do Parque é uma ótima companha para os birdwatchers (Foto: João Schawrtz / Reprodução)
Cari, o especialista
Além de trilhas bem cuidadas, da mata protegida e da diversidade de espécies, quem chega ao Parque ainda pode contar com a companhia de um fiscal com “expertise” na fauna local, o carismático José Cariolando, conhecido como Cari, que sabe qual trilha, qual horário e qual o melhor ângulo para clicar cada bicho do Parque. A intimidade decorre da experiência de 18 anos percorrendo as trilhas da unidade, somada a uma paixão incondicional pelo lugar. “Não existe prazer maior do que trabalhar ouvindo o som dos pássaros, respirar esse ar fresco e comer as frutas que crescem no mato. Cuido do Parque como se fosse minha casa”, conta o funcionário.
Para ver todo tipo de vida por ali, a ordem é não ficar muito longe de Cari. Além da sagacidade para avistar os bichos, ele descreve detalhadamente seus movimentos e reproduz os sons com perfeição para atraí-los. Quem não tem um currículo como o do fiscal, há quase duas décadas estudando de perto as espécies, vale investir em um pouco de pesquisa antes de cair nas trilhas. “Quando comecei na atividade, comecei a fazer parte de um grupo do Museu de História Natural de Alagoas para estudar mais profundamente as aves. Hoje já percorri mais de 40 municípios fotografando e já registrei 300 espécies diferentes”, conta Sérgio. “A inspiração vem da diversidade de cores e cantos, bem como da aventura de se chegar aos locais de observação”, complementa o fotógrafo, que hoje atua guiando grupos interessados em fazer tours fotográficos focados na observação de aves.
O diretor do parque em Maceió, Fábio Palmeira, explica que, ao todo, a unidade tem cerca de 6 km de trilhas, incluindo alguns percursos mais fechados no meio da mata, nos quais é recomendado estar acompanhado de um guia. “O melhor horário para flagrar as aves é bem cedo, logo ao nascer do sol, quando elas saem em revoada, ou ao final do dia, quando começam a se recolher. E um hobby relaxante, que qualquer um pode praticar para se reconectar com a natureza, respirar um pouco de ar puro e renovar as energias“, conta Fábio.
Em sentido horário: pássaro-mascarado-amarelo-bonito, galinha-d’água azul, ariramba-da-cauda-ruiva e beija- flor-de-barriga branca (Fotos: Márcio Campello / Reprodução)
Pesquisa, ecoturismo e terapia
Mais do que flagrar os animais em jardins ou parques, porém, em geral, os especialistas em passarinhar estudam detalhadamente o comportamento e habitats das aves e costumam cultuar um peculiar tipo de álbum de figurinhas a ser preenchido. A cada click, o álbum vai se completando. Para aumentar a “coleção”, chegam a encarar viagens complexas, traslados de barcos, longas caminhadas em trilhas e, às vezes, horas de espera para flagrar uma espécie em particular. O prazer de avistar e fotografar um pássaro raro em seu ambiente natural é considerada a melhor recompensa para tais aventuras.
O perfil dos adeptos da atividade é diverso. Além de fotógrafos, os birdwatchers podem ser biólogos, engenheiros, estudantes, pesquisadores ou executivos interessados em escapar da rotina e estar mais próximo das paisagens naturais. Para muitos deles, observar os pássaros é um pretexto para visitar lugares de beleza natural especial, praticar caminhadas ao ar livre, estar em silêncio e exercitar a paciência e concentração. Independente se o objetivo é a pesquisa, a fotografia ou apenas relax, no meio da mata, os observadores de aves se utilizam de técnicas parecidas. Ouvidos atentos, roupas camufladas, câmeras, gravadores e binóculos a postos são as regras básicas.
Também entusiasta da atividade na capital alagoana, o profissional autônomo Márcio Campello frequenta o Parque Municipal pelo menos uma vez por semana. Segundo ele, em todas as visitas, acaba conhecendo espécies novas da fauna. Além do cobiçado udu, ele já registrou no Parque espécies belíssimas, como o exuberante sete-cores-do-nordeste (Tangara fastuosa), o pica-pau-de-barriga-branca (Dryocopus lineatus), a saíra-de-papo-preto (Hemithraupis guira), o socozinho (Butorides striatus) e o frango d’água (Gallinula galeata), entre outros. Segundo Márcio, que é fotógrafo amador, para flagrá-los, os únicos segredos são paciência e amor pelos ambientes naturais.
Saiba mais:
Confira aqui o blog do fotógrafo Sérgio Leal sobre a avifauna de Alagoas.
Serviço:
Parque Municipal de Maceió
Rua Marquês de Abrantes, s/n, Bebedouro
Contato: (82) 3358-6232
De terça-feira a domingo, das 8h às 17h.
** Para caminhadas, o parque está aberto a partir das 6h. Para visitas monitoradas ou em grupo, é necessário um agendamento prévio pelo e-mail agendaparquemuncipal@gmail.com.