Rota rural em Tiradentes revela quem está por trás das delícias mineiras

Um armazm singelo, com uma balana antiga no balco, prateleiras abastecidas por latas de biscoito revestidas com tecido de chita e um orelho na entrada.

No igualmente acanhado stio ali em frente, a fumaa que sai de uma chamin estreita sinal de que a cachaa est a todo o vapor no alambique –instalado em uma construo sem paredes.

A zona rural de Tiradentes, na estrada da Caixa d’gua, de uma simplicidade extrema –e ela que esconde parte do seu charme. Pois de l que saem algumas das delcias que abastecem as mesas de restaurantes e pousadas da cidade colonial mineira.

E a explorar a simplicidade dos produtores locais que partem do centro pequenos grupos de turistas, em um projeto batizado Sabores da Estrada da Caixa d’gua.

O circuito uma parceria com a agncia Libertas, de Belo Horizonte (tel. 31/2516-0333; preo sob consulta) –pode ser feito por conta prpria tambm. Lanado em junho, foi uma das atraes do Festival de Cultura e Gastronomia de Tiradentes, realizado no final de agosto.

Ao todo, 11 produtores rurais foram mobilizados para receber visitantes e mostrar, do jeitinho mais hospitaleiramente mineiro, a artesanalidade de seus saberes.

Por ali, o turista v que a cachaa, o queijo –mozarela ou frescal–, os biscoitos, a linguia e os docinhos tm por trs uma prtica particular, um rosto, um sorriso: do Juca do Lino, do Chiquinho, da Rosileia, da Rosana…

EMPRIO DA ROA

O passeio comea na venda de Vera Lucia da Silveira, a Lucinha, que, com o projeto, acabou por rebatizar seu armazm como um legtimo “emprio da roa”.

Ali so encontrados ingredientes produzidos pelos moradores do distrito –chamado de Caixa d’gua justamente porque na regio resistem as runas de um reservatrio que abastecia a locomotiva da linha que cortava a regio, ligando-a a Tiradentes.

Esto nas prateleiras, por exemplo, os biscoitos de Rosana Nascimento: h rosquinhas, goiabinhas, broinhas de fub, biscoitos de nata, quebra-quebra… Cada pacote (200 gramas) custa R$ 8.

Mas mais gostoso talvez seja ir at o stio de Rosana, o Bela Vista, para sentar-se na varanda e ouvir a prosa mineira ao provar os quitutes com caf recm-passado, atividade devidamente mineira.

Uma quitandinha (em “mineirs”, quitanda um tabuleiro de quitutes) com bom papo tambm uma das atraes do stio do Engenho, em que Rosileia Aparecida Silveira produz mozarela –cerca de 20 quilos por dia.

O queijo, que custa entre R$ 14 e R$ 18 o quilo, a depender do formato (pode ser em barra, bolinhas ou nozinhos), feito com leite de um pequeno rebanho, criado ali na propriedade.

Outra parada do roteiro no alambique de seu Juca do Lino, que, aos 77 anos, ainda comanda a produo de 350 litros de cachaa por semana.

A receita, que ele segue h mais de 20 anos, tem a cana fermentada em canjiquinha antes de passar pelo alambique rstico, com traos de improviso.

A bebida, branquinha e de sabor intenso, pode ser encontrada tambm em alguns pontos de Tiradentes, como o Bar do Joo Rosa, no largo das Forras.

Antes de voltar ao centro, a sacola ainda pode receber as linguias artesanais de Adineia, os crochs e artesanatos de Geralda, o mel de Chiquinho, os peixes do Z…

Veja mapa

DO TEMPO DO BARO

No distrito de Caixa d’gua, uma figura recorrente a do baro de Santa Maria: diz-se que as runas do reservatrio e a linha do trem, por exemplo, so “do tempo do baro”.

Na verdade, pouco se sabe concretamente sobre a histria dele –alm do fato de que teria possudo terras em Pira (RJ) e morrido em Tiradentes em fins do sculo 19.

E o certo ar de mistrio ajuda a ambientar um dos pontos altos do roteiro pela estrada que corta a regio.

No stio do Baro, a varanda de Celia Silveira, 52, tem vista para escombros do chal (que tem mais jeito de manso) do militar, derrubado h cerca de 40 anos.

As toalhas de chita a cobrir as mesas de madeira fizeram do lugar um restaurante, em que Celinha serve uma receita de leitoa pururuca ensinada por sua bisav. Prato do tempo e da famlia do baro.

O animal criado, abatido e preparado ali. Ele descansa por sete dias em uma marinada de vinho, alho e sal, com temperos plantados no mesmo stio –manjerico, tomilho, alecrim.

Depois, assado na brasa de carvo, por ao menos sete horas, at ganhar um gostinho defumado. Chega mesa com arroz e tutu (R$ 80, por pessoa, com reserva).

A estrada da Caixa d’gua passa tambm pelo Sabor Rural, especializado na cozinha tpica mineira. Com grandes mesas na varanda, fica em um espao agradvel e campestre, cercado de rvores.

A refeio pode ser aberta com a caipirinha (R$ 14), servida numa chaleira. Pratos como tutu com porco e linguia (R$ 68), feijo tropeiro (R$ 68) e frango com ora-pro-nbis (R$ 66), servem de duas a quatro pessoas.

BAIRRO BICHINHO

Outro distrito afastado cerca de 15 minutos de Tiradentes (na verdade j parte do municpio vizinho de Prados), Bichinho tambm atrai muitos turistas da cidade.

No local esto instalados vrios dos artesos locais –que, por vezes, revendem suas peas tambm em lojas no centro de Tiradentes.

Um dos mais conhecidos Antnio Carlos Bech, da Oficina de Agosto (que tem representaes tambm em So Paulo e no Rio de Janeiro).

Nos atelis de Bichinho, mveis e peas decorativas, entre o religioso e o sensual, podem no sair to barato, mas garantem um bom passeio.

O jornalista viajou a convite da organizao do Festival de Cultura e Gastronomia de Tiradentes