A Poças está menos Junior

Em 1918, três meses antes do Armistício, Manoel Poças Junior decidiu fundar o seu próprio negócio e dedicar-se à compra e venda de aguardente para fortificar vinho do Porto. Cem anos depois, os seus netos e bisnetos celebram o centenário da Poças Junior com investimentos no enoturismo, lançamento de novos vinhos e uma dose de inovação. No logótipo da casa, este é o momento para deixar cair o ‘Junior’. “A palavra já aparecia apenas em letras pequenas, mas resolvemos que agora cai definitivamente”, diz Pedro Poças Pintão, diretor de vendas e de marketing da empresa, que está a investir €600 mil no enoturismo em Gaia.

Em 2016, a família decidiu renovar o espaço das suas caves de vinho do Porto para visitas e provas, confiante no potencial turístico da região. Agora, está a concluir as obras no edifício ao lado para ampliar o espaço de armazenagem, de forma a dar resposta ao crescimento das vendas do vinho DOC (Denominação de Origem Controlada) Douro, expandir a capacidade de receber visitantes, ter um espaço dedicado a eventos e, ainda, oferecer uma sala privada com cozinha para organizar workshops.

Trabalhar o enoturismo no Douro também faz parte dos objetivos, mas só para 2019. O projeto prevê a oferta de visitas e provas na Quinta das Quartas, na Régua, onde a Poças armazena e envelhece o seu vinho. No nicho do “turismo de charme”, a Quinta de Santa Bárbara, no Douro Superior, pode ampliar esta aposta com dormidas.

Com 60 trabalhadores entre as caves de Gaia e o Douro, a Poças apresenta-se como “um exemplo raro de longevidade de uma empresa de vinho do Porto, a produzir em contínuo, nas mãos de uma família portuguesa”. E isso também se comemora com novos vinhos, estando para já na calha o reforço da gama de DOC Douro com um monocasta Touriga Nacional e um vinho branco topo de gama. No segmento Porto, será lançado um Porto velho, com vinhos feitos no tempo do fundador.

Ao mesmo tempo, a família Poças pretende recriar fórmulas antigas para lançar um brandy e um vermute com essências que representem a região do Douro, como a esteva, a cereja, a amêndoa ou a laranja.

Vinho com arte

Até 1932, Manoel Poças Junior dedicou-se à comercialização de aguardente para fortificar o vinho do Porto. A sua produção vitivinícola só começa quando um cliente lhe entrega a Quinta das Quartas, na Régua, como pagamento de uma dívida. Nasce, assim, o novo negócio, que acabaria por envolver toda a família.

Manoel engarrafou os vinhos Teresinha e Cassilda para celebrar o nascimento das duas filhas. Quando fizeram 15 anos, os netos Manuel e Jorge Pintão começaram a trabalhar com ele. Convenceram-no a declarar o primeiro vintage em 1962, com vinho de 1960.

“O meu bisavô dizia que só as casas inglesas faziam vintage, mas mais tarde, quando a família repartiu a sua garrafeira, percebeu que ele também tinha os seus vinhos dos melhores anos vintage. Pedia ao provador para engarrafá-los, mas não os produzia para serem comercializados”, conta Pedro Poças Pintão, um dos representantes da quarta geração na direção da empresa, ao lado dos primos Jorge (enologia), Maria Manuel (viticultura) e Paulo (direção administrativa) e dos tio Jorge e Acácio.

Com a dinâmica imposta pela entrada dos mais novos, a Poças tornou-se, em 1990, uma das primeiras casas da região duriense a produzir DOC Douro, com o seu Coroa D’Ouro, muito por influência de Jorge Pintão, que estudou enologia em Bordéus.

Há um ano, as garrafas 
da Poças inspiraram 33 esculturas, como o “ExtingWisher”, 
para explosões de aroma 
e sabor. No passado, o fundador 
da Poças lançou vinhos com os nomes das filhas e investiu em publicidade ao seu vinho do Porto

FOTO Lucília Monteiro

Hoje, a empresa tem a colaboração, na sua equipa de enologia, de Hubert de Bouard, enólogo e proprietário do Château Angelus, em Bordéus, por acreditar nas “mais-valias criadas pela troca de experiências com uma região diferente, com uma visão ampla do mundo”, afirma Pedro Pintão. Tem quase 100 hectares de vinha no Douro, espalhada pela Quinta das Quartas (2 h), Vale de Cavalos (51 h) e Santa Bárbara (33 h). Produz 1,8 milhões de garrafas, entre Douro (25%) e Porto (75%). Tem um volume de negócios de €7,5 milhões e garante 90% deste valor na exportação, em mercados como o Canadá, a Holanda, a Bélgica e a Dinamarca. No preço de venda ao público, a oferta varia entre os €4,50/€40 nos vinhos tranquilos e os €7/€200 nos vinhos do Porto.

No currículo, um dos destaques vai para o 20º lugar conquistado pelo Porto Poças Vintage 2009 no top 100 dos melhores vinhos do mundo da revista norte-americana “Wine Spectator” em 2012. E a aposta de olhar para o futuro sem esquecer o passado já levou a empresa a alargar a oferta ao azeite, em 2014, com um rótulo em cortiça, e a relançar o vinho Símbolo três anos depois da colheita de 2014 e após ano e meio de estágio em barrica, seguido de um ano de estágio em garrafa. Ainda em 2017, relançou o seu vinho Quinado, um clássico que junta ao vinho do Porto o amargo da quinina, com qualidades terapêuticas contra a malária e o aroma de algumas essências. “Era um vinho muito apreciado no Brasil e em África. O que fizemos foi ir à garrafeira buscar um lote já com 40 anos para comercializar, numa edição limitada”, refere o diretor de marketing.

Outro projeto voltado para o futuro cruzou recentemente o vinho com arte, através de 33 garrafas — com esculturas do ilustrador e designer Luís Mendonça. “A ideia de criar uma metáfora em torno do vinho e do fogo surgiu na forma de uma garrafa-extintor quando a Poças teve de decorar a montra de uma loja tradicional de comércio de vinho em Lisboa.” Depois, refere Pedro Poças Pintão, foram surgindo mais 32 esculturas, sempre com garrafas escondidas em narrativas à volta de uma metáfora, desde a boia salva-vidas ao farol, ao pinheiro de Natal, ao skate ou ao bolo de noiva…

O próximo desafio será escolher os mecanismos para manter a saúde da empresa familiar, porque, diz Pedro Pintão, “a estrutura acionista é coesa e não tem havido regras na divisão dos cargos, mas é altura de definir a sucessão, de forma a assegurar uma boa governação”.