Alentejo Esporão tem um novo chef e um mundo de azeite para descobrir
Saímos da Herdade do Esporão com um pão oferecido pelo chef Carlos Teixeira e um papel que o descreve como se de um vinho se tratasse — “Cor castanha torrada. Pão acídulo, torrado, húmido e estaladiço. Aroma que lembra frutos secos” — e apresenta todo o processo de produção, da idade da massa mãe utilizada à origem das farinhas.
Este é um exemplo, apenas, do tipo de cuidado e atenção que o Esporão quer pôr em cada uma das coisas que faz, do vinho ao azeite, passando pelo pão ou os legumes da horta. Daí que, explica António Roquette, o responsável pelo enoturismo desta herdade alentejana próxima de Reguengos de Monsaraz, tenham decidido fechar o restaurante durante alguns meses para fazer obras, que, não tendo transformado radicalmente o espaço, o tornaram diferente.
Começamos então por aí, pelo restaurante, a visita à herdade para conhecer as novidades, que passam também por novas ofertas de percursos e provas temáticas. Carlos Teixeira, que tinha trabalhado com o anterior chef do Esporão, Pedro Pena Bastos, manteve-se na herdade, tendo agora como chefs consultores Bruno Caseiro e Filipa Gonçalves (do Cavalariça, na Comporta).
A ideia, diz António Roquette, foi modificar um pouco o perfil do restaurante. “Queríamos simplificar a experiência.” Assim, o novo menu é relativamente curto, com uma série de entradas/petiscos, algumas propostas de pratos principais e, no final, três sobremesas. Há ainda a possibilidade de optar pela “Carta branca”, com uma selecção de pratos definida pelo chef em cinco momentos (50 euros, mais 15 se houver harmonização com vinhos) ou sete momentos (65 euros, mais 20 euros para pairing de quatro vinhos).
Começamos com o tal pão de trigo feito na casa, broa, uma manteiga de leite de cabra com pó de louro, outra de gordura de porco com especiarias, e azeite do Esporão. Para abrir a refeição vieram uns óptimos talos crocantes de bróculos da horta, ligeiramente passados pela brasa.
Depois, um saboroso rissol de lagostim do rio, seguido de uma entrada de couve-flor com queijo de Serpa e avelã. Seguiram-se uns chocos cortados em pedaços pequenos e salteados com uns bem avinagrados pezinhos de coentrada e favinhas novas.
Para prato principal, Carlos optou por nos enviar uma presa de porco alentejano com ervilhas da horta e silarcas (ou túberas). O menu devia ter ficado por aqui, mas António Roquette pediu para se acrescentar mais um prato, para provarmos: um arroz de cabidela, em destaque este mês na carta. Estas receitas em destaque são uma novidade, que nasce da parceria do Esporão com o projecto A Comida Portuguesa a Gostar Dela Própria, de Tiago Pereira, registo em vídeo de receitas tradicionais e outras trabalhadas por chefs a partir delas. No final, para ficarmos a conhecer duas das sobremesas, Carlos apresentou morangos com granizado de erva-cidreira e gelado de morango, e, como alternativa, um gelado de leite de ovelha, espuma de amendoim e crocante de leite.
Este é um momento de grande entusiasmo, e de grandes desafios, para Carlos, que no final nos conta como está a trabalhar com um queijeiro local para tentar desenvolver queijos com outro tipo de maturação, e como é nas feiras mais pequenas que às vezes se encontram pequenos tesouros, de produtores que só aí conseguem espaço para mostrar o que fazem.
Fala também da horta, de onde retira muitos dos ingredientes que usa no restaurante, descreve o trabalho que tem feito com as manteigas — “temos sempre uma de vaca fermentada com kefir e outra de cabra que matura à temperatura ambiente durante uma semana” — e a forma como incorporou o azeite e o vinho da talha feitos no Esporão nos petit fours servidos com o café.
E, por falar em azeite, junta-se a nós, para a sobremesa, a especialista em azeites do Esporão, Ana Carrilho, que passou agora a ter, no espaço da herdade, um lagar com capacidade para aumentar consideravelmente a produção e que é outra das apostas fortes do enoturismo.
Para além das visitas às vinhas e adegas, passa agora a ser possível visitar também o Lagar de Azeites onde, para além de se conhecer a evolução da produção de azeite no Esporão, desde o início em 1997 até hoje, se pode ver o processo de produção (é particularmente interessante durante a campanha da azeitona), aprender a distinguir as características de diferentes variedades, como a galega, a cobrançosa e a cordovil, e terminar com uma prova de azeites — onde se tem a oportunidade de provar até um azeite com defeito para se perceber o que são os sabores a ranço, a tulha ou a mofo.
Tudo isto faz parte de um esforço para que os consumidores conheçam melhor o azeite, tal como ao longo dos tempos tem vindo a acontecer com o vinho, até porque é uma área que não tem parado de crescer. Actualmente, o Esporão faz 1250 mil litros de azeite e a ideia é vir a aumentar a produção — o lagar já foi pensado para receber mais tegões e mais depósitos. Outro dos orgulhos de Ana Carrilho é o facto de os caroços das azeitonas serem usados para as caldeiras, o que, somado ao facto de toda a água ser tratada e reutilizada, faz deste um “lagar desperdício zero”.
António Roquette lembra que esta a lógica de sustentabilidade do Esporão, que tem estado a converter a sua produção em biológica — 35% da área da vinha foi já certificada e está previsto que toda ela esteja certificada em 2021 — alarga-se às outras áreas, da poupança de água ao objectivo (ainda a dar os primeiros passos) de tornar o restaurante também desperdício zero.
Mas se o azeite está a ganhar protagonismo, o vinho continua a ser o centro das atenções. E também aí o enoturismo fez novas apostas. Num trabalho que tem vindo a ser desenvolvido com o SKREI, atelier de arquitectura do Porto (responsável pelo projecto da Adega dos Lagares), vários dos espaços ligados às visitas foram também melhorados.
Um dos mais espectaculares é o local para provas especiais que foi criado na adega subterrânea. No meio das garrafas de vinho encaixadas em estruturas metálicas, uma mesa de madeira que faz lembrar uma meia-hélice domina as atenções. Tem por cima um candeeiro suspenso, igual a ela, como se fosse a mesa invertida, e, no meio do betão da cave, o local torna-se ao mesmo tempo acolhedor e misterioso, como se uma nave espacial tivesse decidido descer ali.
No exterior, onde antes existia uma sala polivalente, surgiram dois espaços para provas mais simples, um fechado e outro aberto, com um pequeno bar de apoio e rodeado de material que explica as especificidades do terroir e das castas dos vinhos do Esporão.
A intervenção do SKREI — com aproveitamento de materiais de trabalho da própria herdade, da madeira ao metal ou à lã das ovelhas — estendeu-se ainda ao restaurante, onde um tecto e duas semiparedes em ripas de madeira clara oferecem um conforto nórdico, fazendo lembrar o interior de um barco. O espaço ganhou também mais luz, com a abertura de uma das paredes, que dá agora para um claustro exterior, onde existe uma segunda esplanada (já existia uma na parte da frente).
A ideia, conclui António Roquette, é que a herdade seja cada vez mais percebida, e visitada, como um todo — um local onde se faz vinho e azeite, sim, mas onde há arqueologia, animais, plantas, uma horta, gastronomia e muitas parcerias e cumplicidades, com gente da região e mais além — como contam várias das histórias na revista Nativa, que o Esporão acaba de lançar.