Antigo paraíso de surfistas, ilha francesa está repleta de tubarões

“Ver a onda perfeita e no poder surfar”, disse Nicolas Dantec, meneando a cabea, ” terrvel”.

Dantec realizou um sonho de infncia quando se mudou para Runion, uma ilha francesa no Oceano ndico que at recentemente era mais conhecida em todo o mundo como um paraso para os surfistas. Ele comprou uma casa em uma colina com vista para a praia de St.-Leu, na costa oeste da ilha.

“Quando eu era menino, tinha um pster que mostrava esse lugar”, disse Dantec, 39, originrio da Frana, enquanto contemplava as ondas subindo e quebrando, ao longe. “Sonhava com vir para c e surfar essas ondas”.

Mas j faz quase quatro anos que ele no pode mais faz-lo, e hoje em dia, quando ele se senta na varanda de sua casa, prefere ficar de costas para o mar.

O problema so os tubares. A ilha est sitiada por eles, e pelo menos 18 pessoas foram atacadas, e sete mortas, desde 2011.

O governo respondeu em 2013 com uma controvertida proibio ao surfe e natao em quase todas as praias da ilha, o que faz de Reunio provavelmente a nica ilha turstica do planeta que ordena aos moradores e visitantes ficar fora da gua.

O oceano encontrou outra maneira de colocar Runion nas manchetes, no final do ano passado, quando um pedao de asa de avio foi encontrado em uma praia. Acredita-se que ele seja parte de um Boeing 777 da Malaysia Airlines desaparecido misteriosamente em maro de 2015, com 239 pessoas a bordo. A descoberta levou membros das foras armadas francesas e moradores locais a vasculhar as costas da ilha em busca de outros destroos do avio que possam ter sido trazidos pelas ondas.

O frenesi na costa, com voluntrios ainda conduzindo buscas na praias, no deve mudar o frenesi quanto ao que fazer sobre os tubares. Eles continuam a ser o foco de um debate acalorado entre ambientalistas, ecologistas, defensores dos direitos dos animais e autoridades governamentais em Paris, sobre como voltar a tornar as praias da ilha seguras para a recreao.

Muita gente em Runion, que governada como um departamento ultramarino da Frana, acredita que se problema semelhante estivesse acontecendo na costa mediterrnea da Frana, o governo se esforaria bem mais para resolv-lo.

Em lugar disso, o que aconteceu na ilha foi a proibio, que segundo eles uma medida extrema com o objetivo de evitar m publicidade, em lugar de resolver o problema subjacente. E o problema definitivamente no est resolvido: os surfistas mais apaixonados se recusam a ficar fora da gua, e os tubares continuam a atac-los.

Quando um surfista chamado Elio Canetri, 13, desafiou a proibio e foi morto, em abril, sua morte causou choque especialmente forte. O nome de Elio agora est pichado em paredes, bancos e placas de rua em muitas cidades de praia da ilha.

Jeremy Flores, surfista profissional de Runion, resumiu bem o clima em um post no Instagram.

“Novo ataque de tubaro na ilha de Runion esta manh”, ele comentou em um comentrio sobre uma foto de Elio. “No h palavras para descrever como estou triste e zangado. To moo!!! Notcia dolorosa”.

A morte do adolescente renovou as questes sobre o que est por trs dos ataques de tubares e se as autoridades esto fazendo o bastante para remediar a situao. No faltam teorias.

Algumas pessoas atribuem a responsabilidade pelos ataques pesca excessiva nas guas em torno de Runion, que teria devastado o suprimento natural de comida dos tubares e os forado a caar mais perto da costa.

Outros dizem que h mais tubares perto da ilha porque o governo proibiu a venda de carne de tubaro – e portanto a pesca de tubares – nos anos 90, ou porque uma reserva natural marinha foi estabelecida ao longo da costa perto de St.-Leu, em 2007.

J que h pouca gente na gua, alguns argumentam, os seres humanos se tornaram presas mais fceis para os predadores.

Ainda outros mencionam uma mudana perceptvel na populao de tubares. Os tubares de recife esto sendo suplantados por tubares-touro, maiores e mais agressivos, afirmam essas pessoas, sinalizando uma distoro na ecologia marinha.

Nathalie Verlinden, biloga marinha radicada em Runion que ajudou o Discovery Channel a produzir um documentrio sobre o problema dos tubares, apontou que a geografia de Reunio tambm influencia a situao.

A ilha vulcnica e tem encostas ngremes, com a montanha mais alta atingindo um pico de cerca de trs mil metros acima do mar. Os deslizamentos causados por tempestades, que arrastam para o mar lama, lodo e outros detritos deixados pela crescente populao de cerca de 850 mil pessoas, criam o tipo de ambiente aqutico nebuloso que os tubares-touro preferem. E o piso do oceano tambm decai de maneira ngreme em torno da ilha, o que significa que existem guas muito profundas a distncia bem curta da costa.

Qualquer que seja a causa, as consequncias so claras. Cerca de 405 mil visitantes vieram a Runion no ano passado, 14% a menos do que os 471 mil turistas de 2011.

A ilha extica, bruta. Seu interior, boa parte do qual classificado pela Unesco como parte de sua lista de patrimnio histrico da humanidade, no geral despovoado e dominado por florestas densas, vales de recorte profundo e rios de guas rpidas.

A maioria da populao vive nas pequenas e grandes cidades que circundam a costa, conectadas por uma rodovia que contorna a ilha. Por muitos quilmetros, a estrada ladeada por encostas ngremes, e a ameaa de deslizamentos de pedras lanadas sobre os carros conduziu a um projeto de infraestrutura definido pela mdia local como “a estrada mais cara da Frana”.

As autoridades esto construindo um trecho de 13 quilmetros de via expressa – uma via de rodagem posicionada sobre pilastras fincadas no mar, e assim longe das encostas – para ligar a capital, St.-Denis ao porto de Reunio, com custo estimado em quase US$ 2 bilhes. Muita gente na ilha gostaria de ver nem que uma frao desse dinheiro gasta no combate ao problema dos tubares, conhecido a ponto de levar vendedores locais a criar uma camiseta que mostra um tubaro devorando a ilha.

“Quando visitei a Frana recentemente, as pessoas me perguntavam como era viver na Ilha do Tubaro”, conta Verlinden.

Mick Asprey, 67, visitou Runion pela primeira vez em 1972, e se mudou da Austrlia para a ilha pouco depois. Como veterano proprietrio de uma pequena loja de produtos para surfe a dois quarteires da praia de St.-Leu, ele produziu pranchas para geraes de moradores. E no economiza palavras sobre o que acredita precise ser feito: matar os tubares-touro.

“Eu defendo eliminar uma espcie que no parte nativa do meio ambiente da ilha”, ele diz.

Em sua opinio, uma combinao de fatores trouxe a horda de tubares-touro para as guas da ilha, nenhum deles natural e todos corrigveis, se houver determinao. Mas “simplesmente no existe interesse suficiente no que acontece aqui”, ele afirmou.

Imagine os protestos “se isso acontecesse em Sydney e cinco pessoas fossem atacadas nos primeiros cinco meses do ano”.

Antes do ataque que matou Elio, disse Asprey, as pessoas estavam comeando a se cansar da proibio e retornando gua, e os negcios em sua loja comearam a se recuperar. Asprey disse ter faturado quatro vezes mais na estao de festas de 2014 do que na do ano anterior.

Mas em seguida Elio foi morto e outro surfista teve um brao arrancado por um tubaro no comeo de julho, e as guas se esvaziaram de novo.

Dantec falou nostalgicamente, em uma enevoada manh recente, sobre os motivos para que o surfe em St.-Leu seja to sublime.

” o lugar com as ondas mais consistentes do mundo, 365 dias por ano”, ele afirmou.

Elas tipicamente atingem altura de cerca de 2,5 metros, e quebram de maneira que permite surfar mais de 300 metros direto. “Ondas perfeitas”, ele disse.

Mas por enquanto essas ondas pertencem aos tubares, e as pichaes perto da praia apontam para o fato.

” qui le tour?” Quem ser o prximo?

Traduo de PAULO MIGLIACCI