Brasil “O interesse dos brasileiros pelo vinho português é altíssimo”

Conversar, conversar, conversar, explicar, dar a provar. Os produtores de vinho portugueses presentes na quinta edição do Vinhos de Portugal no Rio concordam que é essa a grande mais valia do evento: permitir o contacto directo com o consumidor final e aproveitar todas as oportunidades para explicar as complexidades do vinho português, das suas muitas castas à enorme variedade de terroirs. E, cada vez mais, os brasileiros mostram-se interessados e empenhados em aprender tudo o que conseguirem nos três dias do evento, que começou sexta-feira e terminou domingo no Casa Shopping, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, e que é organizado pelos jornais PÚBLICO, de Portugal, O Globo e Valor Económico, do Brasil, em parceria com a ViniPortugal.

“O interesse pelo vinho português é altíssimo”, garante Tony Smith, da empresa Lima Smith (Quinta da Boavista, Quinta da Covela e Quinta das Tecedeiras). Embora os vinhos deste produtor tenham estado presentes desde a primeira edição, este é o primeiro ano que Tony vem pessoalmente e, quando o encontramos, durante uma das sessões de duas horas do mercado dos produtores, está rouco de tanto falar. “É fundamental falarmos sobre as uvas nativas, as pessoas perguntam-nos muito pelas castas”. Já ninguém aparece no Vinhos de Portugal à procura de Cabernet Sauvignon ou de Syrah, muitos são já frequentadores habituais do evento e identificam facilmente castas mais conhecidas como a Touriga Nacional ou o Alvarinho – e, cada vez mais, outras, como o Arinto ou até o Encruzado.

A importância dos blends

Nas várias provas apresentadas, numa sala especial, por críticos portugueses e brasileiros, ouvem falar da importância dos blends para o vinho de Portugal, da longa tradição de produção de vinho no país, de como o Douro é diferente do Alentejo, têm a possibilidade de ouvir histórias contadas pelos próprios produtores (o produtor da Bairrada Luís Pato fez uma pequena participação na prova do crítico brasileiro Jorge Lucki sobre vinhos do ano de 2007 para falar do seu Pé Franco e contar a aventura que foi produzir um vinho como se fazia antes de a filoxera ter atacado e destruído as vinhas europeias no final do século XIX) e, sobretudo, provam vinhos muitos diferentes ligados a histórias e a projectos também eles muito diversos.

Muito satisfeitos com o aumento de vendas do vinho português no Brasil – neste momento, Portugal é o segundo maior exportador, a seguir ao Chile, tendo ultrapassado a Argentina e começando a ganhar alguma distância encorajadora relativamente a este país –, um dos objectivos da ViniPortugal e dos produtores portugueses é agora conseguir que o preço médio das garrafas vendidas no Brasil aumente. E também para isso, a solução é explicar porque é que um vinho não pode, em muitos casos, ser tão barato. A estratégia de Tony Smith, por exemplo, é mostrar imagens. “Costumo mostrar fotos dos terraços da Quinta da Boavista [no Douro], explico que não tenho acesso com tractor e que todo o trabalho tem que ser feito à mão. Com terraços com seis, sete, oito metros de altura, é um trabalho terrível. E as pessoas começam a entender porque é que os vinhos da Boavista são assumidamente não baratos.”

Jorge Serôdio Borges, outro produtor do Douro (tem, juntamente com a mulher, Sandra Tavares da Silva, a Wine and Soul) concorda. “O esforço do aumento do preço médio passa pelo conhecimento. Nós temos obrigação de estar a apresentar os nossos vinhos ao público que é o consumidor final, isto passa muito por dar informação às pessoas. Precisam entender o que têm na garrafa e só assim podem estar dispostas a pagar um pouco mais “. Há muito tempo que identificou o mercado brasileiro como prioritário para os seus vinhos e está plenamente convencido de que “as coisas estão a mudar”, que a oportunidade está aí e que “é uma questão de tempo”.

É verdade que estamos num país com uma grande instabilidade política – e a greve dos camionistas, que quase parou o Brasil nos últimos dias, esvaziando prateleiras de supermercados e deixando bombas de gasolina a seco, é prova disso – mas Jorge Serôdio não parece muito preocupado. “Acho que este é um povo de guerreiros, por isso já não me assusto. Eles vivem o momento e acredito que têm capacidade de dar a volta e encontrar soluções.” De facto, não só a organização conseguiu ultrapassar as dificuldades provocadas pela greve e trazer o vinho até ao Rio de Janeiro no meio de um país praticamente parado, como o público apareceu, e em grande número, enchendo provas e sessões do mercado e comprando, na loja provisória montada no local, muitos dos vinhos que acabara de conhecer.

“O interesse está a crescer”

Carla Salomão não pára, percorrendo constantemente os stands dos vários clientes que tem presentes. “Para mim, que trabalho neste mercado há quase 17 anos, no tempo em que ainda não existia ViniPortugal, este evento é crucialmente importante”, diz a responsável da Azavini que representa no Brasil 14 produtores portugueses, fazendo a ponte entre eles e os importadores. “Já há outros a quererem imitá-lo, mas este é um evento completamente consolidado, um formato que foi pioneiro e que é um sucesso. Neste momento de crise em que a gente entrou há uns anos, ter conseguido fazer este evento é muito bom para o Brasil e para a cidade do Rio.”

Recorda-se bem dos tempos em que andava praticamente sozinha a pregar no deserto. “Nessa altura, falar de vinho português era um exercício difícil. As pessoas só conheciam o vinho do Porto e o Vinho Verde, não tinham nenhuma noção do que era a indústria vinícola em Portugal.” Hoje, garante Carla Salomão, claramente “o nível melhorou muito”, embora continuem a existir diferentes patamares. “Existem grandes conhecedores, porque o Brasil recebe vinhos do mundo inteiro e, para esse público, o conhecimento aumentou bastante. Antes, eles consideravam que vinho era Itália, França, um pouco de Espanha e, neste momento, a presença de Portugal começou a ser muito mais respeitada.”

Mas, se é importante o trabalho a esse nível, há outro em que é ainda mais fundamental. “Para o público em geral, esse conhecimento é ainda bastante inicial. Ele sabe o que é o Douro e o Alentejo mas não tem muita noção das outras regiões”. É por isso, conclui, que um evento como o Vinhos de Portugal tem um papel de enorme importância. No seu stand no mercado de vinhos, Tony Smith ouve perguntas de todo o tipo: “Há pessoas que dizem que não gostam da acidez e a gente tenta explicar que a acidez é uma coisa relativa, e que até pode ajudar muito se o vinho acompanhar uma refeição. As pessoas estão muito abertas a isso. O interesse está lá e está a crescer.”

Agora, rumo a São Paulo

Entre o público que enche também as sessões do Tomar um Copo, na área de convivência do evento, onde, em conversas mais informais, de meia hora, se provam dois vinhos diferentes e se ouve falar, por exemplo, de enoturismo ou dos efeitos da altitude (no caso das viagens de avião) na percepção que temos de um vinho, encontramos um apaixonado por vinhos que veio este ano pela primeira vez ao evento. Apresenta-se como Bob Chef, o nome que usa quando escreve sobre vinho, e conta como há cerca de seis anos entrou neste mundo. “O que eu descobri de melhor no vinho foi o conhecimento – ele leva-me às pessoas, e isso é que é espectacular. Você vai aprendendo sobre história, arquitectura, géneros, pessoas, ele abre uma porta para o mundo.”

Também ele reconhece que “a falta de conhecimento sobre o vinho foi muito grande no Brasil, no passado as pessoas consumiam vinhos bobos, ruins, totalmente sem expressão. Ninguém sabia o que estava bebendo”. Foi há poucos anos que as coisas começaram a mudar. “As pessoas começam a entender o vinho, a uva, o cultivo, e isso dá outra visão”.

Depois de três dias intensos, o evento prepara-se agora para a próxima etapa, em São Paulo, onde se vai realizar pela segunda vez, a partir da próxima sexta-feira, no shopping JK Iguatemi. E se no Rio estiveram presentes 79 produtores, o que representou um recorde, em São Paulo estarão 84, à conquista daquele que é o mercado mais importante no enorme país que é o Brasil.