Turismo turbina corrida de touros e gera mortes na Espanha
Para muitos, a experincia viciante como uma droga: a emoo de correr de um touro enfurecido em alta velocidade pelas ruas apertadas de uma cidade espanhola.
E os turistas parecem gostar dessa emoo, ligada ao risco de ferimento e morte. Os tradicionais encierros, as corridas de touro por ruas lotadas de uma cidade ou povoado, se espalham pela Espanha e atraem um pblico maior a cada ano.
S na temporada deste ano do vero espanhol, que comeou em junho e vai at o fim deste ms, j foram contabilizadas 12 mortes, o maior nmero desde 2000.
Na contramo das touradas de arena tradicionais, que perdem espectadores a cada ano, eventos como o festival de corridas de touro de San Fermn, em Pamplona, se multiplicam por cidades menores, de olho na renda do turismo.
Em Pamplona, onde, em julho, so realizados durante oito dias consecutivos os encierros mais famosos da Espanha, mais da metade das cerca de 2 mil pessoas que se espalham pelas ruas apertadas dos 850 metros do trajeto dos touros so estrangeiras, a maioria delas da Frana, dos Estados Unidos e da Austrlia.
O festival, que ainda inclui apresentaes e feiras de ruas, atraiu este ano um pblico de 1,4 milho de pessoas.
Entre os grandes fs do encierros de Pamplona est Miguel ngel Eguiluz, de 60 anos.
“Com 16 anos tive pela primeira vez a experincia de correr diante de um touro. Desde esse dia a ‘droga’ entrou no meu sangue”, disse ele BBC Brasil. “Correr ao lado desse animal to poderoso, to forte, uma sensao nica, um vcio que dura para sempre”.
Eguiluz acompanha o evento h 38 anos e diz que presenciou mortes, foi pisado, atropelado e passou por quase todos os sustos, menos o de levar uma chifrada.
Nem todos tm a mesma sorte. A ltima morte foi registrada em 30 de agosto, quando um touro perfurou com o chifre o corao de um homem em Cullar, nas proximidades de Segvia.
EM ALTA
Com a retomada do crescimento econmico na Espanha, previsto para 3,3% este ano, o interesse pelos encierros, em geral patrocinados por prefeituras, aumentou.
Segundo dados do Ministrio da Cultura, o nmero de corridas de touros pelas ruas subiu 15% em 2014 para um total de 15.848 festejos, enquanto que as touradas de arena tiveram uma queda de 8%.
Em uma dcada, as touradas perderam cerca de 30% de seu pblico. Os nmeros de 2015 ainda no esto disponveis, mas especialistas apontam que a tendncia se mantm.
“As festas com touros so uma tradio fortemente enraizada na Espanha, e o risco de morte est sempre presente, faz parte da emoo do espetculo”, diz Antonio Purroy, especialista em tauromaquia e professor da Universidade de Navarra, em Pamplona.
Na Provncia de Valncia, que concentra mais da metade dos festejos taurinos da Espanha, estima-se que estes tenham um impacto econmico de 46 milhes de euros anuais (R$ 194 milhes) e gerem mais de 25 mil empregos.
Com a crise na Grcia e atentados em pases como Tunsia e Egito, a Espanha vive um vero excepcionalmente forte para o turismo. O governo projeta um nmero total de 68 milhes de visitantes estrangeiros em 2015, superando os 65 milhes do ano passado.
RUDIMENTAR
Entre as razes apontadas para a crescente popularidade dos encierros esto a entrada gratuita e a participao direta do pblico. Mas os riscos tambm esto em alta. Este ano, entre os muitos feridos e vtimas fatais, havia participantes bbados e at quem fosse corneado enquanto fazia um selfie com um touro.
O jornalista Javier Solano, que h 25 anos apresenta os encierros de Pamplona na TVE (TV pblica espanhola), diz que s no h mais mortes por sorte, e que o controle em povoados pequenos precrio.
Em Pamplona, feita uma varredura 90 minutos antes da sada dos seis touros que fazem o circuito a cada manh. Pessoas embriagadas, sem condies fsicas ou caladas inadequadamente so retiradas do local.
“Aqui em Pamplona tudo foi previsto. Mas em localidades menores h menos segurana, tudo mais improvisado, o servio mdico de emergncia no tem a mesma qualidade”, diz Solano.
Preocupado com a situao e com os direitos dos animais, o Movimento Antitaurino (contra todo tipo de festa de touro) aumenta a mobilizao contra os festejos.
“No se pode garantir segurana em um encierro do qual participa um touro. As pessoas no tem conscincia, fazem selfies. uma imagem lamentvel. Os polticos deveriam zelar pela segurana das pessoas e dos animais”, diz Silvia Barquero, presidente do Partido Animalista (PACMA).
Barquero chama ateno para os maus-tratos e a tortura de animais, que nem sempre so do conhecimento do turista que estreia na festa.
“Os turistas chegam com uma imagem romntica sobre o que sejam os encierros ou as touradas. Nosso trabalho conscientizar as pessoas de que o resultado dessas festas a morte dos animais, alm do estresse e do sofrimento que eles vivem”, diz.
MANIFESTAO
No prximo sbado, o PACMA, que tem sua atuao centrada na defesa dos direitos dos animais, pretende lotar a Porta do Sol, tradicional ponto de realizao de atos polticos de Madri, em protesto contra a festa do Toro de La Vega.
Nessa festa, realizada na cidade de Tordesilhas, os touros so perseguidos pelas ruas da cidade e espetados com lanas. Outro alvo do partido a festa conhecida como Touro de Fogo, em Medinaceli, na qual os animais tm os chifres incendiados.
Uma das linhas de atuao do PACMA, que tradicionalmente recebe cerca de 1% dos votos em eleies gerais, nmero insuficiente para garantir representao no Parlamento, oferecer aos municpios um cardpio de atividades de lazer e cultura alternativas aos festejos com animais, uma tradio que remonta Idade Mdia.
A Espanha um dos oito pases, em todo o mundo, que tm tradio de realizao de touradas – no grupo esto mais dois europeus (Portugal e Frana) e cinco da Amrica Latina (Mxico, Venezuela, Colmbia, Equador e Peru).
Os estudiosos da tradio repudiam veementemente as acusaes de crueldade no trato com os animais.
“As pessoas no se divertem por fazer mal ao touro. Ao contrrio, elas amam esses animais, e desfrutam da arte de lidar com eles, e tambm do risco intrnseco situao. Qualquer festa de touros sem emoo no tem sentido”, afirma o especialista Antonio Purroy.
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