Uma história de superação e inspiração ao redor do mundo
Foi preciso atravessar o oceano, percorrer cerca de 30 países, mais de 80 cidades ao redor do mundo, desvendar os mistérios dos sete mares e sobreviver as tempestades para contar as histórias que irei compartilhar a partir de agora.
Diferente da história da “Menina que roubava livros”, do escritor australiano Markus Zusak, eu nunca os roubei, porém, os colecionava. Sempre tive excelentes professores durante toda a minha vida escolar e acadêmica. Mas, foram os livros que me ensinaram as melhores lições e deram asas à minha imaginação, me fazendo acreditar que eu poderia “voar”. Nascia então, uma garota cheia de sonhos, louca de vontade de desbravar o mundo e com muita sede de conhecimento.
Créditos: Arquivo pessoal
Mais tarde, já na adolescência, passei a colecionar além dos livros, revistas de turismo e estas despertaram dentro de mim o desejo, o ímpeto de viajar. Ficava olhando os cartões postais ao redor do mundo e me imaginando em cada um daqueles lugares. Me perguntava qual seria a sensação de pisar na Grécia e ver de perto o imponente Pathernon com tantos anos de história? Como seria ir a Roma, posar em frente ao Coliseum e saborear uma boa pizza italiana? Como descrever a emoção de ir a Disney e poder abraçar o casal mais famoso do mundo (Mickey e Minnie Mouse)? Especialmente depois de ter lido tantos livros sobre o Walt Elias Disney e ficar cada vez mais impressionada com a sua visão, perseverança, autenticidade, criatividade e riqueza de detalhes com as quais idealizou e criou o império chamado Disney.
Me arrepio todas as vezes que leio uma de suas mais famosas frases: “Se você pode sonhar, você pode realizar.” Quer motivação maior para aqueles dias de desânimo e frustração? E ter aquela foto no Grand Canyon pulando alto com cara de quem conquistou o mundo e quer abraçá-lo? Ou apreciar a vista de Manhattan a caminho da Estátua da Liberdade? E como eu sonhava com Nova York e todo aquele vai e vem de pessoas na Times Square! Sentia ainda, o desejo de fazer um cruzeiro para o Caribe. Porém, havia uma grande distância entre expectativa e realidade.
Créditos: Arquivo pessoal
Ninguém jamais apostaria que a filha caçula de uma família nordestina de dez irmãos, criada com poucos recursos, bateria as asas e ganharia o mundo. Mundo? Não! Mundão! Há muito o que desbravar dessa terra desconhecida e ainda inexplorada. Fico entristecida em pensar que deixarei essa vida com uma lista de lugares incríveis para conhecer.
Quando decidi fazer as malas pela primeira vez, tinha recém completado 19 anos e já havia concluído o ensino médio. Parti rumo a São Paulo planejando trabalhar e iniciar a faculdade cujo curso até aquele momento não havia definido. Nao fazia ideia do que me esperava na grande metrópole ou de que maneira a minha vida se transformaria, apenas queria deixar de viver através das páginas dos livros e revistas e me confrontar com uma realidade mais prazerosa.
Créditos: Arquivo pessoal
A minha rotina na “Terra da Garoa” era árdua, de muito trabalho, estudo, estresse e nenhum lazer. Morei com parentes, morei com amigos, morei sozinha, morei com namorado. E, após muitos anos vivendo a dura realidade de uma típica trabalhadora brasileira, fui me cansando da rotina massacrante e aos poucos percebi que São Paulo havia se tornado pequena demais para o tamanho dos meus sonhos. Sim, eu sonhava alto. Queria mais! Eu sabia que poderia fazer mais, mudar, ousar, me aventurar, dar um passo que para muitas pessoas seria impossível por este ser muito maior do que as minhas próprias pernas.
Sonhava em ser médica pediatra, mas com o alto custo do curso de medicina precisei buscar outras alternativas. Foi então que entre administração, jornalismo, pedagogia e turismo que eram os cursos que eu poderia custear, optei por me tornar Turismóloga. Turismóloga? Exatamente! Segundo a definição da Wikipédia, “Turismólogo é o profissional que conhece, analisa e estuda o turismo em sua totalidade.” Traduzindo em claro e bom português, somos um time de profissionais que trabalha em quanto você se diverte. Cuidamos do seu lazer, montamos pacotes turísticos nas agências de viagens, gerenciamos hotéis, descobrimos novos roteiros turísticos, guiamos grupos de pessoas a lugares por elas desconhecidos dentre muitas outras competências cabíveis ao profissional dessa área e somos conscientes do quão impactante é o turismo para o desenvolvimento social, econômico e cultural de uma sociedade.
Créditos: Arquivo pessoal
Na faculdade os professores nos alertavam sobre a importância e necessidade de aprender outras línguas para um melhor desempenho no exercício da nossa profissão. Foi então que a vida me lançou um novo desafio: aprender inglês (a língua que une todos os povos). Jurava que jamais aprenderia. Sabia que não seria um daqueles estudantes dedicados que aprende o idioma frequentando esses cursinhos básicos ou simplesmente utilizando livros, precisaria praticar e muito e com nativos! A ideia de fazer um intercâmbio já existia fazia algum tempo e estava aos poucos amadurecendo. Quando terminei a faculdade tudo já estava planejado e as coisas foram seguindo o rumo que eu esperava. Me matriculei em uma escola de inglês americana que usava um método de ensino bastante avançado e aos poucos fui acreditando que aprender inglês não era impossível como eu imaginava, apesar de as vezes sair das aulas de conversação extremamente frustrada por não conseguir me comunicar. Chegava a chorar de desespero e deixava a escola com a certeza de que não pisaria mais os pés lá no dia seguinte. Me frustrava ainda mais saber que eu era a única aluna da turma que nunca havia feito uma viagem internacional. Mas, naquele momento, eu já não tinha mais a opção de desistir, pois já havia movido muitas barreiras para chegar até ali, só me restava erguer a cabeça, secar as lágrimas e retornar para escola no dia seguinte determinada a dar o meu melhor.
O emprego de quase cinco anos havia ficado para trás e passava os meus dias no curso de inglês, era um curso intensivo que durou cerca de dez meses. Quando acabou estava segura de que o aprendizado adquirido na escola era suficiente para sobreviver na América. A princípio, o meu plano era morar no Canadá, mas acabei caindo nos Estados Unidos de “para-quedas” pois, a família que iria me hospedar residia em Washington, DC, próximo a Casa Branca para ser mais específica. Visto concedido e permissão para morar nos Estados Unidos por um ano, estava pronta para desbravar a América. Antes da viagem fiz uma lista de lugares que eu não pudia deixar de conhecer antes de voltar para casa: Nova York, Miami, Disney, Las Vegas, Grand Canyon, Bevelly Hills, Hollywood, San Francisco, Havaí e tantos outros lugares que eu apenas conhecia através das revistas de turismo e dos filmes americanos.
Créditos: Arquivo pessoal
Tudo pronto para a grande aventura! Algumas pessoas me rotulavam de louca por deixar tudo para trás para viver em um país estrangeiro com uma família que eu não conhecia e me comunicar em uma língua que eu não dominava. Começava então, a maior aventura da minha vida e finalmente a minha primeira viagem internacional.
Voei rumo a Washington, DC e de lá para Nova York onde faria um treinamento de uma semana para me familiarizar com as regras e procedimentos do intercâmbio. A família a qual me receberia em Washington, DC me enviou para o endereço do hotel onde estava hospedada muitos presentes de boas vindas, entre eles um city tour em Nova York. Você já deve imaginar o tamanho da minha emoção ao subir no topo do The Rockefeller, passear no Central Park e ver a Times Square a noite toda iluminada. Era como se eu fosse um personagem de um livro que tivesse ganhado vida e agora desfrutava da realidade.
A saga do hotel merece um capítulo a parte. Dividi o quarto com uma sul africana e uma filipina e entrei muda e saí calada, porque o meu inglês ainda era bem pobrezinho. Após o fim do treinamento em Nova York, o pessoal da agência me deixou na estação em Connecticut onde pegaria o trem para Washington, DC para encontrar a família que me hospedaria. Naquele momento o coração acelerou e comecei a suar frio, pois, me dei conta de que estava sozinha, há muitas milhas de distância de casa cercada de pessoas falando uma língua que para mim ainda soava estranho.
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Os três primeiros meses foram bastante difíceis, chorava de saudade de tudo e só pensava em voltar para casa. Mas, o “senhor tempo” cura tudo e com muita paciência e determinação sobrevivi à fase de adaptação. O meu cérebro processou o inglês quase que instantaneamente, nenhum membro da minha host family falava o português, no inicio além me instruir verbalmente, a minha host mother também enviava as instruções das tarefas do dia seguinte por e-mail para ter certeza de que eu havia compreendido e eu vivia com o dicionário na mão.
Três meses foram suficientes para eu compreender tudo o que as pessoas me diziam e eu já falava pelos cotovelos. Comecei a frequentar as aulas de inglês em uma escola perto de casa, depois fui para a universidade fazer um curso de liderança e negócios voltado para mulheres e mais tarde, fiz outro curso de habilidades de comunicação. As aulas na universidade eram mais complexas, tínhamos que fazer pesquisas e apresentações para os demais alunos do curso. Foi então que eu percebi o quanto o meu inglês havia evoluído, já poderia me considerar fluente.
O primeiro ano do intercâmbio estava prestes a acabar, passei a amar os Estados Unidos e estava muito feliz com a minha nova vida. Decidi renovar o meu visto por mais um ano. Para completar a minha lista de viagens só faltou conhecer o Havaí. Foi com muita tristeza que eu deixei a América, os novos amigos e a família que abriu as portas de casa e me recebeu com tanto carinho.
De volta ao Brasil e com o inglês na ponta da língua, tentava me readaptar a vida na qual havia deixado para trás. Porém, esta readaptação nunca aconteceu, sentia um vazio dentro do peito, uma vontade enorme de partir novamente.
As pessoas diziam que eu havia mudado. Não! Eu não mudei, eu evoluí! Agora sentia ainda mais necessidade de buscar o novo, viver os sonhos, explorar o mundo. Permaneci na “Pátria Amada” durante um ano trabalhando em um resort e dando aulas de inglês, mas continuava infeliz. Uma parte de mim esforçava-se para criar raízes e a outra me dizia para criar asas e voar. Então, decidi seguir o desejo do meu coração,porque, este sempre falava mais alto e jamais se enganava. Larguei o emprego no resort, me despedi da família e disse adeus aos novos e velhos amigos.
Dessa vez a aventura era ainda mais desafiadora: percorrer o mundo a bordo de navios de cruzeiros,porém, do outro lado do deck, entre a tripulação. Dormir na Estônia e acordar na Lituânia parecia mágico e, apenas aqueles que vivem a bordo de um transatlântico poderão descrever as dores e as delícias do dia a dia desses guerreiros aventureiros que deixam suas casas nas mais diversas partes do mundo para desbravar os “sete mares”.
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No início queria apenas vivenciar a experiência de trabalhar e morar em um navio, também tinha o sonho de conhecer a Europa e para minha surpresa o itinerário mudava constantemente. Comecei visitando a América do Sul e depois seguimos para o mar Mediterrâneo e Báltico. Visitei lugares incríveis ao redor do mundo, muitos deles nem sabia que existiam. Me adaptei a toda aquela “rotina” subitamente, e meus contratos duravam seis meses. Passava seis meses a bordo e dois meses de férias. A medida que a minha lista de lugares aumentava (sim, eu tenho uma lista de lugares que gostaria de conhecer antes de morrer), sentia necessidade de voltar para explorar um navio novo, um novo itinerário e viver novas aventuras.
Não conseguia mais parar de viajar! Bastava um mês de férias em casa que já ficava impaciente querendo cair no mundo novamente. Vivi essa vida nômade durante três anos. Na última bagagem trouxe comigo dois novos idiomas, amigos de todas as partes do mundo, fotos inspiradoras e muitas histórias para contar aos meus filhos e netos.
Eu me vi uma pessoa mais feliz depois que fiz as malas, fui em busca de mim mesma e consegui me encontrar.
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Não quero aqui fazer da minha história um drama de novela mexicana nem espero que as pessoas sintam pena das dificuldades que eu passei. Gostaria de apenas lembrá-los que tudo nessa vida tem um preço e realizar sonhos custa caro. Que preço você está disposto a pagar pelos seus? A vida de um viajante é repleta de muitas conquistas, mas também de muitas renúncias.
Hoje o meu coração não carrega apenas as cores verde e amarelo da bandeira do Brasil, ele é de todas as cores. Pois, já não pertenço mais a uma só cultura e nacionalidade, sou cidadã do mundo.
Hoje olho para trás e percebo que a minha primeira viagem não foi para São Paulo ou Nova York. A minha primeira viagem aconteceu dentro de mim quando senti lá no fundo da alma o desejo de transformar a minha vida e, para isso, bastou apenas um ato de coragem. Mas e você? Onde pretende chegar? Quando foi a sua primeira viagem? Ou quando será?
Relato por Edilene Afonso, turismóloga, apaixonada por viagens e mora nos EUA